O acúmulo de disputas judiciais, decorrente da crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus já está no radar de empresários, de advogados e dos Poderes Legislativo e Judiciário. Existe a preocupação de que os tribunais sejam ainda mais sobrecarregados de ações relacionadas, por exemplo, a litígios contratuais, trabalhistas e comerciais.
Boa parte do aumento da demanda deve vir das empresas de menor porte, que hoje encontram mais dificuldades no acesso ao crédito disponibilizado pelo governo na pandemia, como apontaram os debatedores da live “Justiça e Cidadania — o papel do Judiciário na retomada da economia”, realizado pelo Jornal O GLOBO com patrocínio do Instituto Justiça e Cidadania.
Participaram do encontro virtual os ministros Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Integraram ainda a mesa Armando Monteiro Neto, ex-senador (PTB/PE) e conselheiro emérito da CNI, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-presidente nacional da entidade. A mediação foi feita por Tiago Santos Salles, presidente do Instituto Justiça e Cidadania, e pela jornalista Flávia Oliveira, colunista de O Globo.
– Mais do que nunca, o momento exige o diálogo do Poder Judiciário com os demais poderes e com a sociedade civil organizada, algo que nosso Instituto busca promover por meio do projeto Conversa com o Judiciário. Todos ganham quando estabelecemos de antemão soluções consensuais para os eventuais conflitos – apontou Tiago Salles, organizador do evento.
— É inegável que a pandemia gerou graves crises. O grande receio é o excesso de judicialização. Isso pode servir para que o STF traga soluções para todos os tribunais. Por exemplo, estabelecendo teses jurídicas que sejam usadas por todo o Judiciário — indicou Fux, que assume a presidência do Supremo em setembro, para um mandato de dois anos.
Para resolver os conflitos que devem surgir com a baixa atividade econômica durante e após a quarentena, Fux deve adotar uma linha de trabalho que vai mesclar tecnologia e soluções consensuais. O ministro disse durante a live que cogita utilizar uma plataforma de inteligência artificial para resolver as disputas judiciais decorrentes da crise.
— Estamos entrando em uma era da consensualidade, com a fixação de precedentes que deem segurança jurídica. É muito melhor sentar à mesa para um consenso do que entrar em juízo. Esse tipo de solução é mais barata e permitirá a retomada da economia — avaliou Fux.
O estímulo às relações negociais também foi apontado como uma alternativa importante para que as disputas sejam resolvidas mais rapidamente fora dos tribunais pelo ministro Salomão, do STJ.
— Essa é a era da recuperação judicial. Agora (com a pandemia), nosso papel é a manutenção das relações negociais. O rompimento tem um impacto muito lesivo — destacou o representante do STJ. Para o ministro, a negociação prévia será fundamental para que as partes avaliem a possibilidade de acordo. Nesse sentido, Salomão mencionou projeto pioneiro do Instituto Justiça e Cidadania, que, sob sua coordenação, avaliou o impacto legislativo do substitutivo de plenário ao Projeto de Lei 6.229/2005 (Lei de Recuperação e Falências) do qual fez parte expoentes do direito falimentar e empresarial, e seria entregue ao Deputado Rodrigo Maia no mesmo dia.
Segundo Coêlho, será preciso que aconteça uma mudança cultural no país para que as disputas sejam resolvidas antes de chegarem aos tribunais.
— Tratamos de um sistema de Justiça multiportas. Uma para o litígio, outra para a conciliação. Temos de prestigiar os meios que não sejam o contencioso.
Com esses instrumentos que estimulam os acordos em vez do litígio, disse Fux, os investidores, especialmente os estrangeiros, se sentirão mais seguros para decidirem pelo aporte de recursos no Brasil. Maia concordou com o presidente do Supremo.
— A segurança jurídica, não apenas na pandemia, mas médio e longo prazo, é um grande desafio. Toda insegurança gera dificuldades de investimento no país. Por isso, a Câmara tem todo cuidado para não interferir nas relações privadas no país.
Maia espera ter o apoio dos ministros do STF e STJ para melhorar o ambiente econômico do país na pós-pandemia.
— O Judiciário tem um papel decisivo, o de melhorar as leis — apontou. Durante o evento, no entanto, o presidente da Câmara revelou preocupação.
— Tenho um pessimismo grande para o próximo semestre, com um desemprego maior, mais dificuldades das empresas, falta de renda e de investimentos. Por isso, existe a expectativa de como o Judiciário vai lidar com isso e organizar as relações privadas. Precisamos encontrar os caminhos para superar essa crise.
Ex-presidente da CNI, Monteiro também se mostrou preocupado com a situação do país.
— O que estamos assistindo é uma falta de efetividade das medidas. As crises devem servir para o país acordar. Por isso é importante o estímulo aos investimentos. Do contrário, o país não voltará a crescer e estaremos condenados a sacrificar mais algumas gerações — disse o ex-senador.
O estímulo vem principalmente da oferta de crédito para que as empresas consigam se recuperar da queda na demanda, como afirmou Maia.
— Os bancos têm renovado o crédito, mas na pequena, na média e na micro o dinheiro não tem chegado. Isso vai gerar um volume maior de demandas no Judiciário no segundo momento.
Ligado ao setor produtivo, Andrade confirmou que as linhas de crédito ainda têm um acesso muito limitado e quem mais sente são o micro, o pequeno e médio empreendedor.
— A ajuda do governo federal não tem chegado na ponta. São R$ 40 bilhões disponibilizados e apenas R$ 3 bi foram liberados por meio de financiamento. O aumento de demanda por financiamentos foi de 286%, mas apenas 24% dos pedidos foram atendidos — detalhou o presidente da CNI.
POR G.LAB PARA INSTITUTO JUSTIÇA E CIDADANIA
08/07/2020 – 17:06 / Atualizado em 10/07/2020 – 19:46
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