A Suspeição e a Imparcialidade – ou: Por que devemos defender o devido processo legal

Recentemente, a ocorrência de uma sequência de suspeições em um processo criminal, que tramita na comarca de Tubarão, gerou uma série de discussões – políticas e jurídicas. Trata-se, da inusitada situação verificada nos últimos dias, em que todos os juízes de uma mesma comarca declararam-se suspeitos para atuar em determinado processo. Processo este, cabe-nos aqui esclarecer, que decorreu da “Operação Mensageiro”, envolvendo o ex-prefeito de Tubarão.

A situação é de fato inusitada, mas ganha contornos adicionais quando nos deparamos com a argumentação, feita por juristas e jornalistas, de que, sendo os juízes suspeitos na esfera criminal, sê-lo-iam, também, na esfera eleitoral, ao julgarem correligionários e adversários, quando da próxima eleição.

O raciocínio parece claro, mas acaba por ignorar alguns pontos.

O primeiro deles é o fato de que a imparcialidade, enquanto valor jurídico, é preferível à parcialidade. Mesmo que isso implicasse, como aduz o raciocínio, a suspeição eleitoral, ainda assim seria preferível as suspeições que se sucederam do que um julgamento reputado de nulo.

Em outros termos: é preferível que haja um número significativo de suspeições do que um tribunal de exceção, que poderia acarretar em uma anulação, tornando inócuos os atos processuais produzidos. Nesse sentido, com a responsabilidade de aplicar a lei, interpretar normas e assegurar o devido processo legal, a imparcialidade e a integridade dos magistrados ganham realce, principalmente em casos que envolvem autoridades locais, como prefeitos de comarcas de entrância final.

Para além disso, busca-se, nas notícias que tratam do tema, resumir-se o processo e as suspeições ao ex-prefeito, quando, em verdade, há nove réus e mais de 20 advogados. Essa ponderação também está em consonância com o artigo 145 do Código de Processo Civil, que prevê justamente a suspeição como uma das possibilidades atribuídas aos magistrados, não podendo, portanto, atribuir-se uma ilicitude a priori.

A imparcialidade, como um dos pilares da justiça, é inalienável e deve ser mantida a todo custo. A história recente nos mostrou, em diversas situações, que a falta de imparcialidade pode prejudicar o bom funcionamento da justiça e comprometer sua credibilidade perante a sociedade. Quando um juiz reconhece sua suspeição, ele sinaliza que o compromisso com a verdade e a imparcialidade supera quaisquer possíveis interesses pessoais ou pressões externas.

É certo, contudo, que por se tratar de uma situação de grande importância, o caso está sendo analisado pelos órgãos correcionais, a fim de se garantir, com a mesma imparcialidade aqui advogada, que nada de ilícito haja ocorrido. Se defende, como fazemos, a imparcialidade, é certo que a autodeclaração de suspeição não deve ser usada como pretexto para a criação de tribunais de exceção. Estes são notórios por atender a interesses específicos, muitas vezes políticos, afastando-se dos princípios de imparcialidade e devido processo legal, características fundamentais de qualquer sistema judicial que se preze.

O que não se pode, contudo, é se estabelecer a priori uma ilicitude nas condutas dos magistrados, até porque, ao assim proceder, colocam-se os magistrados em uma obra de Kafka: se não declaram a suspeição, são omissos; se declaram, são suspeitos de ilicitude. A armadilha de Kafka e o raciocínio falacioso dela faz com que os magistrados, sejam quais forrem suas condutas, estejam incorretos, o que certamente, em um Estado Democrático de Direito, não pode vigorar.

Não se espera ser esse o caso aqui tratado, uma vez que, como defendemos, o Estado Democrático de Direito, o devido processo legal e a imparcialidade vigorem com efetividade, assim como os direitos legalmente atribuídos aos magistrados e aos jurisdicionados.

Isso, aliás, vem sendo realizado, tanto no processo criminal, no qual já há juiz definido apesar das suspeições e, por outro lado, na investigação das suspeições, já em andamento, a fim de verificar possível ilicitude.

Por ora, pois, cabe-nos aguardar os próximos atos dessa obra que se confecciona em terras catarinenses, reforçando que, qualquer que seja seu desfecho, devem prevalecer os princípios inapeláveis que fundamentam nossa ordem jurídica, sobretudo aqueles que com mais frequência são atacados, como o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal.

Em conclusão, fica claro que a busca pela verdade real e a aplicação justa da lei devem sempre ser prioritárias em relação a quaisquer interesses pessoais. Essa postura, que contribui para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, é um valor essencial no exercício da magistratura.

Adriano Tavares da Silva, advogado, mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, Pós-graduando em Direito Público, Pós-graduando em Direito Eleitoral pelo IDP, Conselheiro da OAB/SC e Procurador Geral do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.

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